A artrite reumatoide (AR) é uma doença autoimune crônica caracterizada por inflamação sinovial persistente e destruição articular progressiva, impactando significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Apesar dos avanços terapêuticos, um subconjunto de pacientes permanece refratário ao tratamento convencional, incluindo imunossupressores, agentes biológicos e terapias direcionadas. Esses pacientes são classificados como portadores de artrite reumatoide polirrefratária, uma condição extremamente desafiadora do ponto de vista terapêutico e clínico.
Nos últimos anos, a terapia com células T receptoras de antígeno quimérico (CAR-T) emergiu como uma abordagem inovadora para doenças oncológicas e, mais recentemente, para doenças autoimunes graves. As células CAR-T anti-CD-19 têm demonstrado grande potencial na eliminação de células B autorreativas, abrindo novas perspectivas para o tratamento da AR polirrefratária.
Este artigo revisa os fundamentos imunológicos dessa abordagem, seus mecanismos de ação, os resultados clínicos mais recentes e os desafios que ainda precisam ser superados para sua implementação mais ampla.
O papel das células B na artrite reumatoide
As células B desempenham múltiplas funções na fisiopatologia da AR, sendo responsáveis pela:
1. Produção de autoanticorpos:
O fator reumatoide (RF) e os anticorpos contra proteínas citrulinadas (ACPA) são biomarcadores da AR e contribuem para a ativação do sistema complemento, amplificando a inflamação articular.
2. Apresentação de antígenos:
Células B atuam como apresentadoras de antígenos para linfócitos T autorreativos, perpetuando a resposta imune aberrante.
3. Produção de citocinas pró-inflamatórias:
As células B secretam citocinas como TNF-α, IL-6 e IL-10, que contribuem para a inflamação crônica e a degradação articular.
A terapia anti-CD20 (exemplo: rituximabe) demonstrou benefícios terapêuticos ao depletar células B maduras circulantes. No entanto, muitos pacientes não respondem adequadamente, possivelmente devido à persistência de células B na sinóvia. Esse reservatório de células B sinoviais representa um alvo terapêutico desafiador e pode ser uma das razões para a refratariedade observada em alguns pacientes.
A terapia com células CAR-T CD-19
A tecnologia CAR-T foi inicialmente desenvolvida para o tratamento de neoplasias hematológicas e mostrou resultados impressionantes em leucemias e linfomas refratários. Recentemente, seu uso expandiu-se para doenças autoimunes, incluindo lúpus eritematoso sistêmico (LES), miastenia gravis e esclerose múltipla.
As células CAR-T anti-CD-19 são projetadas para reconhecer e eliminar células B, incluindo tanto aquelas circulantes no sangue periférico quanto as residentes na sinóvia, que escapam da ação de terapias convencionais.
O processo terapêutico envolve as seguintes etapas:
1. Coleta de linfócitos T do paciente via leucaférese.
2. Modificação genética ex vivo: os linfócitos T são geneticamente modificados para expressar um receptor quimérico de antígeno (CAR) específico para CD-19.
3. Expansão celular em laboratório: as células CAR-T são expandidas até atingir um número adequado para infusão terapêutica.
4. Linfodepleção do paciente com agentes como fludarabina e ciclofosfamida para reduzir a resposta imunológica inata e permitir a expansão das células CAR-T.
5. Infusão das células CAR-T no paciente, promovendo uma eliminação sustentada das células B patogênicas.
A principal vantagem dessa abordagem é a capacidade das células CAR-T de atingir e eliminar células B diretamente na sinóvia, um feito que terapias convencionais não conseguem realizar de maneira eficaz.
Evidências clínicas: estudo de caso de 2025
Um estudo publicado no Annals of the Rheumatic Diseases (2025) relatou o primeiro caso documentado de um paciente com AR polirrefratária tratado com células CAR-T CD-19.
Descrição do caso clínico
Paciente: mulher de 39 anos com AR erosiva soropositiva há 20 anos.
Falha terapêutica: não respondeu a múltiplos DMARDs biológicos e sintéticos.
Estado clínico antes da terapia CAR-T:
DAS-28-CRP: 7,46 (atividade muito alta).
Níveis de CRP: 104 mg/L (normal <5 mg/L).
RF: 339 U/mL (normal <14 U/mL).
ACPA: 489,68 U/mL (normal <2,99 U/mL).
HAQ-DI: 2,88 (severa limitação funcional).
A paciente apresentava depleção de células B periféricas, mas alta presença de células B CD-19+ na sinóvia (>70%), sugerindo um mecanismo de resistência às terapias convencionais.
Terapia CAR-T aplicada
Molécula-alvo: CD-19.
Tipo de CAR-T: FMC63-28z.
Linfodepleção: Fludarabina (75 mg/m²).
Ciclofosfamida (900 mg/m²).
Dose de células CAR-T: 1 × 10⁶ células/kg.
Eventos adversos e resposta clínica
Síndrome de liberação de citocinas (CRS) grau 3 no dia 2.
Neurotoxicidade (ICANS) grau 4 no dia 5.
Tratamento de suporte: tocilizumabe, anakinra e corticosteroides.
Após 100 dias, a paciente alcançou remissão livre de medicamentos, com normalização dos níveis de CRP, RF e ACPA (>80% de redução).
Este caso demonstra o impacto positivo das células CAR-T em atingir células B na sinóvia, um dos principais desafios das terapias convencionais.
Desafios da terapia CAR-T CD-19 na AR
Apesar do potencial terapêutico, a abordagem apresenta desafios:
1. Eventos adversos severos: CRS e ICANS podem ser potencialmente fatais e requerem monitoramento rigoroso.
2. Duração da resposta: ainda não se sabe quanto tempo dura a remissão após o tratamento com CAR-T.
3. Custo e complexidade da produção: a personalização da terapia demanda infraestrutura avançada.
4. Falta de estudos clínicos robustos: embora promissor, mais estudos randomizados são necessários para validar a eficácia e segurança da abordagem
Perspectivas futuras
Pesquisas estão focadas em otimizar a segurança e eficácia da terapia CAR-T, incluindo:
1. Modificação do CAR para reduzir toxicidade (exemplo: CARs com coestimulação de 4-1BB).
2. Uso de CAR-T alogênicos (prontos para uso, eliminando a necessidade de produção individualizada).
3. Exploração de CARs bispecíficos que possam atingir múltiplos alvos imunológicos para um efeito mais duradouro.
Possibilidade de remissão sustentada
A imunoterapia com células CAR-T CD-19 representa um avanço significativo para pacientes com AR polirrefratária, oferecendo uma possibilidade de remissão sustentada. No entanto, desafios como a segurança e o custo ainda precisam ser abordados.
A Celluris, pioneira em imunoterapia na América Latina, segue acompanhando os avanços na terapia CAR-T para doenças autoimunes, reafirmando seu compromisso com inovação e acessibilidade no tratamento do câncer e outras condições imunomediadas.
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